"A Não Fenomenologia da Vida*

quinta-feira, 27 de maio de 2010
“Vida”


Conceituar “vida” – parece fácil e trivial para a compreensão e estudos dos organismos vivos e suas relações com o universo. Quantas “vidas” temos ? Ora, é inevitável pensarmos que temos uma única vida, mas é tolice generalizar um “processo” que tem implicações históricas violentas como as Teorias: Biogênese e Abiogênese. Ou ainda das Lendas Druidicas onde a Divindade era Feminina e seus derivados subcriativos criavam os Deuses e a “vida dos mortais” e ainda a possibilidade remota do Cristianismo onde seu representante máximo é gerado pela concepção totalmente teórica da Partenogênese Humana ainda com forte misticismo pois o estimulo gerador não tinha caráter humano ou “vida humana”. Qual o limite da “vida”?! Eis outra questão capaz de alterar todos os humores humanos; desde as Células Tronco temos postulados cientificistas em sistemas religiosos diversos que a vida é ilimitada, não tem fim, é infinita e progressiva unitária e indivisível, aí caímos em outra questão intrínseca no conceito de vida – a “Morte” – quando a vida cessa ou toma outros expedientes além do “mundo visível”.


Poetas, Filósofos, Pintores, Músicos e todas as expressões artísticas parecem que não se bastam e esgotam-se em nervos ao profetizarem sobre o tema “Vida”, recordo-me de Fernando Pessoa e Augustos dos Anjos que sintetizam e resumem várias tendências Filosóficas nos remetendo à Metafísica:
“Erguei em tempestades a minha alma! Não haverá,
Além da morte e da imortalidade, Qualquer coisa maior?
Ah, deve haver Além da vida e morte, ser, não ser,
Um inominável supertranscendente,
Eterno incógnito e incognoscível! Deus? Nojo. Céu, inferno? Nojo, nojo.
Pr'a que pensar, se há de parar aqui O curto vôo do entendimento?
Mais além! Pensamento, mais além!”
(Primeiro Fausto – Fernando Pessoa)

“Fator universal do transformismo.
Filho da teleológica matéria,
Na superabundância ou na miséria,
Verme – é o seu nome obscuro de batismo.

Jamais emprega o acérrimo exorcismo
Em sua diária ocupação funérea,
E vive em contubérnio com a bactéria,
Livre das roupas do antropomorfismo.

Almoça a podridão das drupas agras,
Janta hidrópicos, rói vísceras magras
E dos defuntos novos incha a mão…





Ah! Para ele é que a carne podre fica,
E no inventário da matéria rica
Cabe aos seus filhos a maior porção!

(Augusto dos Anjos – O Deus-Verme)



O filosofo Arthur Schopenhauer na sua obra “O Mundo como Vontade e Representação” dá “vida” ao ser e integra esse ao mundo; A vontade é o elemento fundamental a fim de trazer o sentido das coisas e do mundo. É essa união entre o corpo e o sentimento, segundo o filósofo, que proporciona a essência metafísica elementar: a vontade da vida.
“ ... O mundo como representação, constituindo objetivação da vontade têm duas metades essenciais, necessárias e inseparáveis. Uma é o objeto, e suas formas são o espaço e o tempo, explicando a pluralidade.
A outra metade é o sujeito, não se encontrando no tempo e no espaço, porque o tempo e o espaço existem inteira e indivisa dentro de todo ser que percebe: daí resulta que só o sujeito junto ao objeto completa o mundo como representação (refere-se ao homem), assim como todos os homens. Mas se este ser (homem) desaparece, o mundo como representação não existe mais, existindo apenas o mundo como vontade, sem representações.
Se o sujeito enquanto consciência desaparece, o mundo, manifestação da vontade enquanto representação desaparece, pois a representação pressupõe uma consciência objetivada pela vontade essencial. Daí resulta que a percepção do fenômeno da representação é uma impressão humana, é o sujeito que assim percebe o mundo, a representação como forma alegórica da vontade em si mesma.”


No que diz respeito a questão cientifica de vida, a ciência foi feliz ao simplificar a denotação de vida, e ainda assim gera contradições desde o âmbito biológico até o Metafísico.
“Vida é a interação inter-dinâmica entre matéria e energia que se manifesta sobre forma de metabolismo celular próprio” (Fundamentals of Biochemistry - ISBN 0471586501) – Essa é definição mais usual e mesmo derivando desse postulado encontramos outras; a definição de vida de Francisco Varela e Humberto Maturana (amplamente usada por Lynn Margulis) é a de um sistema autopoiético (que se gera a si próprio) de base aquosa, limites lipoproteicos, metabolismo de carbono, replicação mediante ácidos nucleicos e regulação proteica, um sistema de retornos negativos inferiores subordinados a um retorno positivo superior (J. theor. Biol. 2001); Fica perigoso estender concepções maiores ou mesmo alongar tal postulado.
Em biociências todo parasitismo; toda lesão ou toda solução de continuidade agressora geradora de danos aos sistemas biológicos é obrigatoriamente, no que tange ao parasitismo, causada por outros seres vivos que atendem as promessas dos postulados citados à cima. Hoje em dia temos conhecimento que os vírus não apenas causam doenças simples de auto-resolução, mas são fatores de desenvolvimento de cânceres potencialmente letais. Os vírus não seguem a ordem classificatória dos organismos vivos aceita atualmente como universal (Lineu); Domínio, Reino, Filo, Classe, Ordem, Família, Gênero e Espécie – limitam-se de Reino até Ordem e não possuem metabolismo celular próprio. Fica aqui uma limitação cientifica e especulações metafísicas: Os vírus não são nem seres vivos e nem “seres-não vivos” estão em uma posição intermediária entre a vida biológica e a ausência de vida biológica.


Talvez o marco mais importante que afeta diretamente todas as ciências e crenças foi dado por Louis Pasteur, derrubando definitivamente a idéia da abiogênese, com a utilização de uma vidraria chamada pescoço de cisne. Pasteur colocou um caldo nutritivo em um balão de vidro, de pescoço comprido. Em seguida, aqueceu e esticou o pescoço do balão, curvando sua extremidade, de modo que ficasse voltada para cima. Ferveu o caldo existente no balão, o suficiente para matar todos os possíveis microrganismos que poderiam existir nele. Cessado o aquecimento, vapores da água proveniente do caldo condensaram-se no pescoço do balão e se depositaram, sob forma líquida, na sua curvatura inferior. Como os frascos ficavam abertos, não se podia falar da impossibilidade da entrada do "princípio ativo" do ar. Com a curvatura do gargalo, os microrganismos do ar ficavam retidos na superfície interna úmida e não alcançavam o caldo nutritivo. Quando Pasteur quebrou o pescoço do balão, permitindo o contato do caldo existente dentro dele com o ar, constatou que o caldo contaminou-se com os microrganismos provenientes do ar. Desde então tornou-se universal que a “vida” biológica é continuidade de uma vida pré-existente. Ainda dessa idéia embrionária o quimico Lavoisier, postula que na “Natureza nada se perde nada se cria, tudo se transforma”. Porém o marco inicial da “vida” tanto para Pasteur e “vida” e todos os elementos para Lavoisier, carecem de uma explicação cientifica plausível, algo que inicial totalmente debatido e especulado – o “Fator Gerador Universal” que dá origem a tudo que conhecemos com real e aceito como verdade cientifica.



A partir do Renascimento Italiano e Iluminismo Francês onde a religião ja não bastava mais ao homem e nem aos seus anseios mais triviais, a humanidade voltou-se furiosamente para algo outrora condenado, algo que foi re-vivido com tamanha força material e explicativa capaz de sufocar e começar a calar os egos cléricos – a Ciência. Essa tem sua elementariedade na mão oposta das crenças dogmáticas e religiososas, sua finalidade é esclarecer de forma objetiva e mesmo hipotética todo o Universo e então as igrejas perdem público para as “Universidades” uma alegoria do novo mundo para representar todas as possibilidades, essa parte de 3 eixos indissoluveis: O ensino do que é aceito pela comunidade ciêntifica internacional e suas limitações e seus cientificismos, a pesquisa e o método ciêntifico e a extensão; a aplicação prática derivada do ensino e da pesquisa. A ciência não é e nem pode ser totalitaria e absoluta, pois quando respondemos uma pergunta, geramos mais perguntas e assim para “duvidar” de si mesma a ciência sempre se contradiz e seus argumentos vão evoluindo conforme a evolução do conhecimento humano, dentro da própria ciência é fundamental a pergunta: “Eu dúvido”. Lógica, Epistemologia, Axiologia são recursos dentro da própria ciência para auto-avaliação conceitual para validar sua metologia, criar novas metodologias e conhecer suas limitações. É possível citar como atualmente aceitos os métodos: Qualitativo e Quantitativo; sendo o quantitativo menos criticado pois ele lança recursos da Estatística e da reprodutibilidade fenomenológica e ainda se divide em testes Paramétricos e Não Paramétricos.


Talvez ao saber de suas limitações e suas possibilidades e da necessidade de sempre rever conceitos, Freud pensou: “A ciência não é uma ilusão, mas seria uma ilusão acreditar que poderemos encontrar noutro lugar o que ela não nos pode dar.” Refutando todas conclusões tiradas de crenças sem qualquer sentido plausível e de dogmas religiosos. Querendo ou não, mesmo com suas limitações é a ciência e somente ela que pode dar “anos à vida” e não “vida aos anos”.


“Toda Verdade Suportável”

Na ilha por vezes habitada...


Na ilha por vezes habitada do que somos, há noites,
manhãs e madrugadas em que não precisamos de
morrer.
Então sabemos tudo do que foi e será.
O mundo aparece explicado definitivamente e entra
em nós uma grande serenidade, e dizem-se as
palavras que a significam.
Levantamos um punhado de terra e apertamo-la nas
mãos.
Com doçura.
Aí se contém toda a verdade suportável: o contorno, a
vontade e os limites.
Podemos então dizer que somos livres, com a paz e o
sorriso de quem se reconhece e viajou à roda do
mundo infatigável, porque mordeu a alma até aos
ossos dela.
Libertemos devagar a terra onde acontecem milagres
como a água, a pedra e a raiz.
Cada um de nós é por enquanto a vida.
Isso nos baste.


(José Saramago - PROVAVELMENTE ALEGRIA, Editorial CAMINHO, Lisboa, 1985, 3ª Edição)



(Rafael Annovazzi)

0 comentários:

Postar um comentário

Pages

Followers

 

Browse